sábado, 26 de março de 2011

Ela.

Ela precisava chorar, mas por mais que tentasse, o choro não saía.
Estava preso, inalcançável, por alguma razão ele, embora tão necessário naquele
momento, se recusava a sair.
Ela já havia ligado o som, colocado músicas tristes, lido coisas tristes,
pensado, mas tudo em vão.
Ela sabia que se conseguisse chorar talvez doesse menos, era sua única
esperança. Se não conseguisse talvez não suportasse, doía muito.
Foi então que lhe ocorreu algo: Havia uma garrafa de Campari na geladeira,
talvez se tomasse, se alcoolizasse, talvez finalmente conseguisse chorar.
Levantou-se então da cama da forma que estava, só de calcinha e soutien, foi até
a geladeira e serviu-se de um copo de Campari, voltou à cama, concentrou-se para
ver se o tão necessário choro viria. Em vão. Apesar da sensação de calor, leve
dormência nos lábios, membros mais soltos, o choro não vinha. Talvez não
tivesse bebido o suficiente. Foi então novamente até a geladeira, serviu outro
copo de Campari, foi para o fundo do quintal, sentou-se encostada numa árvore e
foi bebendo. Será que após aquele enjôo viria o alívio? Agora ela sentia uma
certa dificuldade para articular pensamentos, ela esquecia o quanto era
docilmente estranha.
As mãos suavam. Ela realmente sentia necessidade de chorar. Bebeu então o resto
que tinha no copo. Ela sentiu então a potencialização de tudo que ela não era,
de tudo que a tornava especial e que tanto lhe machucava. Ela entendeu naquele
momento, de alguma forma, porque todos a achavam dócil, porque todos viam nela
uma grande amiga, lhe confiavam segredos, e sentiu um enorme ódio de si mesma.
Voltou ao quarto, viu-se no espelho seminua, percebeu então que seu corpo era
desejável e que tudo era contraditório. Ela, a doce mulher com jeito de menina
era ao mesmo tempo tão sensual. Achou confuso e engraçado.
Ela não conseguia ainda chorar. Não conseguia sair completamente de si mesma.
Talvez fosse o caso de um terceiro copo. Talvez não. Ela não suportava essa
palavra, nem tão pouco a sensação que esta lhe trazia. Uma sensação (...)
Seria difícil beber sentindo tanto enjôo, mas definitivamente, ela precisava
chorar. O álcool bem que poderia fazê-la esquecer tudo que ela estava sentindo
e que tanto medo e angústia lhe causava. Seria justo um alívio momentâneo, mas
o que acontecia era o contrário, a potencialização da potencialização. As mãos
obedeciam cada vez menos e o choro não saía. Mas estava quase.
Ela que sempre chorava por qualquer coisa, por que tanta dificuldade agora?
Olhou para o copo que estava no chão, sentiu mais enjôo, mas precisava ter
coragem, pois estava naquele copo sua última esperança, a ajuda para atingir
seu objetivo, chegar ao alívio. Respirou fundo, bebeu e no instante seguinte,
vomitou. Era fraca para beber. Por que não conseguia chorar?
Naquele instante toda sua solidão, estranheza, tudo aquilo que ela escondia tão
bem, mas que sabia que existia, veio á tona. Ela deitou-se no chão sem qualquer
dignidade, afinal, naquele momento ela não se sentia uma pessoa digna. E
chorou.

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