domingo, 18 de julho de 2010

Como já bem afirmou Spinosa, nenhum fato ou coisa por si só é bom ou ruim. Tudo é absolutamente neutro. Somos nós que, de acordo com nossa percepção, classificamos de alguma forma. É nossa necessidade de alguma coisa que torna essa coisa importante, que faz com que a encontremos.
Assim é com o amor. Buscamos alguém para dividir momentos, criamos essa necessidade de tal forma que surge esse tão esperado alguém. E olha que coisa fantástica: encontramos alguém que tem exatamente o perfil de que "precisávamos"! O perfil na verdade, somos nós quem idealizamos. Por isso a maior parte dos relacionamentos afetivos têm conflitos. Amamos pessoas não da forma que elas são, mas da forma que queríamos que elas fossem. Da forma que elas são, não tem como amar porque não há como descobrir. Ninguém se revela totalmente, e o pouco que fazem, normalmente já é o bastante para causar desastres nas relações.
As pessoas na sua forma pura assusta, e faz-se necessário fingir o tempo todo. Compactuar de opiniões, sonhos, experiências... Pôr a máscara de viver.

sábado, 17 de julho de 2010

A metamorfose ou os insetos interiores ou o processo (O teatro mágico)

"Notas de um observador:

Existem milhões de insetos almáticos.
Alguns rastejam, outros poucos correm.
A maioria prefere não se mexer.
Grandes e pequenos.
Redondos e triangulares,
de qualquer forma são todos quadrados.
Ovários, oriundos de variadas raízes radicais.
Ramificações da célula rainha.
Desprovidos de asas,
não voam nem nadam.
Possuem vida, mas não sabem.
Duvidam do corpo,
queimam seus filmes e suas floras.
Para eles, tudo é capaz de ser impossível.
Alimentam-se de nós, nossa paz e ciência.
Regurgitam assuntos e sintomas.
Avoam e bebericam sobre as fezes.
Descansam sobre a carniça,
repousam-se no lodo,
lactobacilos vomitados sonhando espermatozóides que não são.
Assim são os insetos interiores.

A futilidade encarrega-se de maestra-los.
São inóspitos, nocivos, poluentes.
Abusam da própria miséria intelectual,
das mazelas vizinhas, do câncer e da raiva alheia.
O veneno se refugia no espelho do armário.
Antes do sono, o beijo de boa noite.
Antes da insônia, a benção.

Arriscam a partilha do tecido que nunca se dissipa.
A família.
São soníferos, chagas sem curas.
Não reproduzem, são inférteis, infiéis, in(f)vertebrados.
Arrancam as cabeças de suas fêmeas,
Cortam os troncos,
Urinam nos rios e nas somas dos desagravos, greves e desapegos.
Esquecem-se de si.
Pontuam-se

A cria que se crie, a dona que se dane.
Os insetos interiores proliferam-se assim:
Na morte e na merda.

Seus sintomas?
Um calor gélido e ansiado na boca do estômago.
Uma sensação de: o que é mesmo que se passa?
Um certo estado de humilhação conformada o que parece bem vindo e quisto.
É mais fácil aturar a tristeza generalizada
Que romper com as correntes de preguiça e mal dizer.
Silenciam-se no holocausto da subserviência
O organismo não se anima mais.
E assim, animais ou menos assim,
Descompromissados com o próprio rumo.
Desprovidos de caráter e coragem,
Desatentos ao próprio tesouro...caem.
Desacordam todos os dias,
não mensuram suas perdas e imposturas.
Não almejam, não alma, já não mais amor.
Assim são os insetos interiores."

sábado, 3 de julho de 2010


"Estou cega. Abro bem os olhos e apenas vejo." (Clarice Lispector)
Hoje, ao assistir ao filme crianças invisíveis, que trata da questão da exploração sexual de crianças e adolescentes, durante a aula de fundamentos da educação ambiental, senti a inevitável comoção que provavelmente também tomou conta de meus colegas e que sempre vem ao assistir filmes do gênero.
Mas, o pior foi quando a professora anunciou: “Façam uma reflexão livre sobre o filme e tragam na próxima aula.
Ao ouvir isso senti uma sensação horrível. Eu faria uma reflexão sobre o quanto o fato é triste, como é injusto criancinhas sofrerem tanto, descaso político, descaso social, repugnância e sei lá mais o que.
A questão é que o fato de eu saber que eu, assim como o restante da turma faríamos uma reflexão com os mesmos lamentos (e o faremos ainda inúmeras vezes), causa-me mal estar. Falaríamos acerca da nossa impotência também... e mais uma série de pensamentos utópicos.
Não sei o que é mais incômodo: Fazer a reflexão, que lembra-nos o quanto somos pequenos diante do mundo, ou, para se livrar dessa difícil missão, ignorar, não pensar mais nisso e ir logo fazer outra coisa, talvez outro trabalho de outra disciplina. Mas agora já é tarde: já pensei, e pensar em não pensar não ameniza a angústia, ao contrário, só a piora.
Mas qual o sentido de discursar acerca da infância sofrida, da miséria, se hoje ao passar pela rodoviária, ao ver crianças nas mesmas condições que as vistas no filme, nada fiz? Como sempre segui meu caminho agindo como se o problema não fosse meu.
Não. Não dá para continuar escrevendo, nem pensando, nem evitando pensar acerca do assunto. Vou fumar um cigarro, depois dormir.